Além do pôr do sol

*Felipe Pereira


Não havia um poente mais belo do que o daquele lugar. Assim pensava Erlin. As águas arrebentavam nas rochas, enquanto o sol descansava no horizonte.

Ao lado da moça, estava seu melhor amigo, Bernal. Eles tinham um acordo que foi formulado sem palavras, admirar o entardecer no porto. O casal de amigos era atraído pela cor laranja do céu nos últimos resquícios do dia.

Todos os dias eles faziam esse ritual e quando anoitecia, iam para o bar onde Bernal tocava todas as noites. A cidade portuária era pequena e seu único atrativo era a linda praia e as rochas que davam uma beleza surreal ao lugar.

Após mais um pôr do sol, quando Bernal ameaçou levantar-se para ir ao bar, Erlin o deteve e disse:

 — Lembra a música que você cantou ontem?

 — Apocalypse?

 — Sim. É uma linda música! — Erlin pousou seu olhar em um barco que se perdia ao longe. Ela estava reflexiva, com um ar cansado e a tez pálida, os olhos estavam inchados como o de alguém que não dormira bem.

 — Gosto dela.

 — Poderia cantá-la no meu funeral? — indagou a moça.

 — Erlin, deixe de bobagens. Ainda vou jogar bola na areia com seus futuros filhos. — Disse Bernal, para aliviar a tensão que sentiu vir da sua amiga.

 — É uma linda música! — Erlin tornou a dizer.

Por longos segundos, ninguém disse mais nada. Até que Bernal conseguiu convencê-la a sair do seu estupor e foram ao bar.

Para Erlin, a noite passou como um borrão, apenas imagens entrecortadas e desconexas.

Bernal tocou com seu jeito alegre e extrovertido, mas sempre voltava seus olhos para o local onde a amiga estava. Havia dias que Erlin vinha se comportando de maneira estranha. E ele fazia o que podia para vê-la feliz.

Nos dias seguintes, Bernal foi percebendo o quanto sua amiga definhava. Até que uma manhã ele acordou com uma notícia que lhe partiu o coração, Erlin havia se suicidado.

Bernal tocou aquela linda música no funeral de Erlin. Cada nota que seu violão dedilhava, sua alma se perdia no vazio que Erlin deixou ao se matar.

Conforme os dias foram se arrastando, ele continuou voltando para ver as águas agredirem as pedras na beira do cais. O sol continuava se pondo, mas nada era igual. Bernal agora se sentia solitário. Seu único conforto era se apegar às boas lembranças que possuía de Erlin, que agora pareciam ter acontecido em outra vida.

*Estudante de contabilidade, morador em Nova Andradina e autor de livros

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal da Nova

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